Wílon Wander Lopes, Presidente da Confraria dos Cidadãos Honorários de Brasília e membro emérito da Academia de Letras de Brasília
Como todos sabem, quando as primeiras construtoras chegaram ao Planalto Central, visando a hercúlea tarefa de construir Brasília, não haviam moradores fixos no inóspito cerrado. Atendendo ao chamado do obstinado presidente Juscelino Kubitschek, pouco a pouco foram chegando aqui brasileiros de todos os rincões da Pátria, buscando ganhar dinheiro e voltar para suas terras de origem.
A maioria veio sem a família, para não correr risco maior, até porque aqui faltava tudo, principalmente mulheres. Muitos iam namorar nas vizinhas cidades goianas. Os palácios e a infraestrutura monumental, em construção, colidiam com a humildade dos candangos, muitos sem saber qualquer coisa da profissão de construtor. E, sem nada, sem conhecer ninguém, muitos deles arrependidos de terem vindo, sem condições de voltar, sofriam muito…
Logo depois, também vieram, forçados, os funcionários públicos federais, mais os senadores, deputados e ministros, acostumados à boa vida que tinham na Cidade Maravilhosa, o espetacular Rio de Janeiro, que hospedava, então, a capital federal.
Tendo que trabalhar e viver num descampado, a contrariedade deles era tanto que tais funcionários federais (e até as amantes de alguns políticos) enchiam os aviões de Brasília para suas terras de origem, todas as sextas-feiras, voltando na segunda ou na terça, chateados por terem que voltar. Outra baita energia negativa!
Pela força da gente brasileira, que tem fama de não desistir, Brasília se firmou, é hoje uma cidade consolidada. O tal Plano Piloto, nome bonito para o barulhento canteiro de obras, até homenagem ganhou: o título de Patrimônio da Humanidade, da Unesco. Com as pessoas que aqui ficaram, muitas delas porque voltariam mais pobres, Brasília ganhou até o gentílico que nos orgulha: somos brasilienses!
Mas uma outra forma de energia negativa continua a fazer sofrer os cidadãos e cidadãs, que permitem que a nova capital funcione: o caríssimo, complicado e danoso transporte dos moradores do Distrito Federal e das cidades goianas e mineiras fronteiriças para Brasília, onde têm emprego.
Todos os dias, a partir das cinco horas da manhã, milhões de pessoas são obrigadas a saírem de suas casas e se transportarem até o chamado Plano Piloto, onde funciona, de fato, a capital federal. E vêm em ônibus sujos, atrasados, lotados, cheios de gente amassando uns aos outros. As mulheres, coitadas, sempre se defendendo…
E, à noite, o sofrimento se repete, todos os dias, gerando orações para que, no dia seguinte, a coisa ruim não piore, não hajam acidentes de percurso. Ou seja, sofrem muito quando a coisa funciona. E mais ainda, quando não funciona… E quando a chuva cai, ai!
A propósito, houve o caso de um ônibus queimado, em Valparaíso, há poucos dias, o que fez com que as pistas ficassem interditadas, deixando os frustrados passageiros muito chateados. Sobram justos motivos para um deles ter praticado o ato.
Outro fato recente aconteceu com os ônibus da empresa Marechal, que amanheceram na garagem, alegando falta de gasolina. Metade da frota deixou de rodar, prejudicando milhares de passageiros e centenas de empresas de Brasília, onde eles trabalham. Em novembro, os rodoviários entraram em greve, alegando salários atrasados e a péssima condição em que os
ônibus se encontravam.
E quem usa carro próprio, além de gastar muito com a gasolina, etc e tal, enfrenta constantes engarrafamentos. Assim, não há ninguém que chegue ao Plano Piloto sem estar cheio de raiva pelos apuros passados na estrada e pela angustiante e diária perda de tempo, todos os dias. Esta energia negativa não faz bem a quem trabalha e vive em nossa cidade.
A rodoviária do Plano Piloto, por onde passa grande parte destes passageiros, buscando outros ônibus para chegar ao seu destino, fica muito perto da Praça dos Três Poderes, onde funciona, de fato, a capital federal. Os passageiros olhando para a Esplanada dos Ministérios, colocam a culpa do seu sofrimento nos políticos que vêm de longe, mas que da rodoviária tão perto estão, o que é muito perigoso. Uma hora destas, tantos revoltados sofredores podem sair da rodoviária e, a pé, unidos e determinados, ir lá reclamar…
Por tudo isso, é preciso que este problema seja encarado como prioridade absoluta, tanto pelo governo distrital quando pelo governo federal, ambos também sofrendo muito com o problema dos seus servidores (e haja atestado médico para justificar tantas faltas). Os hospitais estão cheios e falta atendimento. É esta gente que faz Brasília funcionar.